Dentro da Casa de Padre Cícero: os presentes que contam a história da fé no Cariri
26/12/2025
(Foto: Reprodução) Casarão onde viveu o Padre Cícero Romão Batista, o padre Cícero, virou museu em Juazeiro do Norte
PH Rodrigues/SVM
Quem passa pela Rua São José, no Centro de Juazeiro do Norte, logo reconhece o casarão histórico onde viveu o Padre Cícero Romão Batista. A fachada simples, mas imponente, chama atenção: uma porta de entrada e oito janelas voltadas para a calçada. Em uma delas, está uma imagem em tamanho real do sacerdote, posicionada como se observasse a rua.
A cena não é aleatória. Ela remete a um hábito marcante do Padim Ciço: o de ficar à janela conversando com moradores e romeiros, a quem costumava chamar carinhosamente de “amiguinhos”. O gesto, repetido inúmeras vezes em vida, ajudou a consolidar a imagem de proximidade entre o padre e o povo — relação que atravessou o tempo e permanece viva.
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É dentro desse casarão que estão reunidos presentes recebidos por Padre Cícero ainda em vida e também após a morte, objetos que misturam fé, devoção popular, curiosidade e até histórias de astúcia. O acervo é hoje um dos pontos mais visitados por romeiros e turistas no Cariri cearense.
Entre os itens que mais chamam a atenção está um osso de baleia, suspenso na parede. O objeto, segundo a tradição popular, é usado por visitantes que passam as costas por ele na esperança de aliviar dores no corpo. A prática, repetida diariamente por romeiros, mistura crença religiosa e medicina popular, marcas fortes da religiosidade nordestina.
Casa de padre Cícero virou museu e reúne itens que contam história do sacerdote
PH Rodrigues/SVM
A romeira Cida Silva veio de Santa Cruz do Capibaribe, que fica no agreste de Pernambuco. Está na décima viagem a Juazeiro do Norte e pela segunda vez alisou as costas na costela da baleia. Ela acredita que o ato tem surtido efeito. "Já vim várias vezes aqui. Me sinto melhor, curada", diz.
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Animais empalhados
Outros presentes curiosos formam uma coleção de animais empalhados. Alguns foram enviados como presentes ao sacerdote, em uma época em que oferendas exóticas simbolizavam respeito, admiração e até pedidos de intercessão espiritual.
Mas nem todos os objetos têm origem devocional legítima. Um dos itens mais intrigantes do acervo é uma cobra, empalhada e exposta dentro de uma redoma de vidro, posicionada à altura dos olhos de quem visita o espaço.
De acordo com informações do próprio espaço de memória, o animal não foi, de fato, um presente ao Padim. De acordo com a oralidade popular, trata-se de um falso presente, atribuído a ele como estratégia para driblar a fiscalização nas divisas do Ceará. O réptil estava recheado de pedras preciosas, usadas para contrabando.
"Cobra" empalhada e livros de Padre Cícero fazem parte do acervo do museu
PH Rodrigues/SVM
"Ele gostava muito de aves, tinha até um viveiro nos fundos da casa e chegou a criar um urubu. Para o romeiro ele não morreu, então até depois da morte dele, ele continuou a ganhar presentes, as doações, que hoje a gente chama de ex-votos, que são os testemunhos de fé. O ex-voto é o presente que é entregue na casa como prova do milagre.", explica o historiador Roberto Júnior.
Entre tantos presentes estão os livros. A biblioteca dele era numerosa e com estilo diversificado. Padre Cícero não lia apenas sobre religião, gostava também de outros assuntos, como medicina, farmácia e outros textos científicos.
No Casarão, encontra-se a estante com parte do acervo de livros do sacerdote. Outros exemplares estão no Memorial Padre Cícero, no bairro do Socorro, espaço que está temporariamente fechado para reforma.
Além de objetos simbólicos e curiosos, há também aquilo que nunca deixou de acompanhar Padre Cícero: dinheiro em pequenas quantias. Mesmo décadas após sua morte, o Padim continua recebendo ofertas.
Visitantes deixam "oferta" para Padre Cícero durante visita à casa do santo popular
PH Rodrigues/SVM
No casarão, notas de dois reais, moedas e trocados são depositados pelos fiéis sobre uma imagem em que ele aparece deitado em uma rede — uma cena simples, que remete à proximidade do sacerdote com o povo.
Os presentes reunidos no casarão da Rua São José ajudam a contar não apenas a história de um homem, mas a de uma devoção que atravessa gerações. A paraibana Claudinalva Alves, de Alagoinha (PB), está na quarta viagem a Juazeiro do Norte para pagar as promessas por graças alcançadas. "Fiquei boa do joelho e também melhorei depois de uma cirurgia no quadril", afirmou.
Com o passar dos anos, a casa museu se tornou um espaço para entender como fé, cultura popular e memória se entrelaçam na trajetória do maior símbolo religioso do Cariri.
"Essa casa tem um valor importantíssimo. Foi ali onde o padre Cícero faleceu, fez sua páscoa . Ele trabalhou e lutou pelo Juazeiro, e toda a cidade tem a marca dele. Um homem de profunda fé. E neste local tem muitos objetos que pertenceram a ele. É uma casa com muita história e fé. A todos que visitam a cidade, venham ate a casa, não deixem de visitar ", reforça o padre Laércio José de Lima Barbosa, administrador da casa museu Padre Cícero.
Serviço
Casa Museu do Padre Cícero
Horário de visitação: Segunda a sexta-feira, de 7h30 às 12h e 14h às 17h | Sábados: 7h30 às 12h
Endereço: R. São José, 242 - Salgadinho, Juazeiro do Norte
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