Dívida histórica e séculos de violência: Defensoria da União esclarece processo que levou à homologação de Lula sobre terras indígenas em MT
02/12/2025
(Foto: Reprodução) Terra Indígena Uirapuru à esq. e rio na Terra Indígena Manoki à dir. em MT
Arquivo pessoal
O defensor regional de direitos humanos Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira da Defensoria Pública da União (DPU) rebateu, na sexta-feira (28), as críticas contrárias à homologação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre três terras indígenas em Mato Grosso e esclareceu a forma como transcorreu o processo de demarcação.
O posicionamento vem no momento em que o governo estadual, por meio da Procuradoria-Geral do estado (PGE), entrou com uma petição no processo do marco temporal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), por entender que o decreto seja inconstitucional. Além disso, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, afirmou que vai tentar reverter o decreto do presidente Lula usando sua "própria capacidade dentro do governo".
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As terras homologadas são:
Terra Indígena Estação Parecis, em Diamantino;
Terra Indígena Manoki, em Brasnorte;
Terra Indígena Uirapuru, localizada nos municípios de Campos de Júlio, Nova Lacerda e Conquista D'Oeste.
Em carta aberta, o defensor da DPU destacou a dívida histórica e os séculos de violência do estado contra os indígenas ao longo da formação do país. "Essa trajetória marcada por remoções forçadas, usurpação territorial, massacres e políticas estatais assimilacionistas explica por que a Constituição de 1988 estabeleceu um novo paradigma de proteção aos direitos indígenas", afirmou.
Em relação à Terra Indígena Manoki, em Brasnorte, a 580 km de Cuiabá, que está no centro das críticas por ter sido expandida de 46 mil para 252 mil hectares, o defensor disse que já havia uma sentença na Justiça que determinava a demarcação.
Em 2022, a Justiça determinou que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a União adotassem medidas concretas e urgentes para concluir o processo de demarcação do povo Manoki. Além disso, a decisão ainda impôs uma indenização de R$ 30 mil por danos morais coletivos pela demora e prejuízos às comunidades indígenas.
"Houve, ainda, concessão de tutela antecipada, fixando-se o prazo de 30 dias para a homologação presidencial da terra e o subsequente registro pela Funai, sob pena de multa diária, reconhecendo, assim, a omissão estatal e garantindo efetivamente os direitos do povo Manoki", disse o defensor Oliveira.
Com isso, a União entrou com recurso contra essa sentença, que aguarda julgamento, contando com parecer do Ministério Público Federal (MPF) favorável aos indígenas. Assim, o defensor explica que o decreto do presidente Lula ao homologar esse território está "plenamente compatível com a Constituição, constituindo exercício legítimo e obrigatório da competência da União para assegurar a efetivação dos direitos territoriais indígenas".
Oliveira destacou ainda que a demarcação dos territórios indígenas, além de uma obrigação constitucional, é uma estratégia essencial para o equilíbrio climático e para a sustentabilidade do país.
"A conservação dessas terras impacta diretamente a redução das emissões de gases de efeito estufa e na regulação dos ciclos hídricos, que são elementos essenciais para o regime de chuvas e, consequentemente, para a agricultura nacional. Assim, garantir a posse e a proteção desses territórios significa também fortalecer um dos pilares mais sólidos do desenvolvimento econômico sustentável", afirmou.
O defensor esclareceu ainda que comentários pejorativos, estigmatizantes ou que incitem a discriminação contra indígenas, proferidos no ambiente virtual ou fora dele, podem configurar o crime de racismo, conforme a legislação.
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O que diz o governo estadual
No final de novembro, Mauro Mendes entrou com uma petição no STF, dentro do processo que discute a tese do marco temporal. O assunto ainda é discutido em audiências de conciliação. Contudo, o Congresso promulgou uma lei, em 2023, que instituiu o marco temporal antes da conclusão das audiências pelo STF, que já havia julgado a tese como inconstitucional.
No documento, a PGE argumentou que o decreto do presidente Lula seria inconstitucional por violar a lei 14.701 de 2023 que estabaleceu o marco temporal dos territórios indígenas. No texto, o presidente Lula ampliou a Terra Indígena Manoki de 46 mil para 252 mil hectares, o que a PGE entendeu como inconstitucional.
📅 O marco temporal define que indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que eram ocupadas pelos povos originários no momento da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
A PGE afirmou que há registros históricos e jurídicos que comprovam que a área “foi ocupada por famílias não indígenas desde a década de 1950, com plena ciência do poder público”.
Outro ponto de atenção apontado na ação foi o impacto social e fundiário gerado pela medida. O governo estadual afirma que a ampliação atinge diretamente centenas de produtores e famílias com títulos legítimos, Cadastros Ambientais Rurais (CAR) ativos e, em alguns casos, decisões judiciais reconhecendo sua ocupação regular.
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O que dizem as lideranças indígenas
Lideranças indígenas que representam esses territórios afirmaram ao g1 que essa conquista é resultado de anos de luta por reconhecimento de direitos diante de ameaças de morte, desmatamento ilegal e disputas territoriais.
A presidente da Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) Eliane Xunakalo destacou a importância dessa conquista como resultado de anos de luta.
"Isso abre precedente para mais terras demarcadas em nosso estado, porque nós temos mais de 20 territórios em processo de demarcação. Nós estamos muito felizes, isso é resultado de luta", afirmou.
Atualmente, o estado tem 73 terras indígenas demarcadas, que somam 15 milhões de hectares, o equivalente a 16% de todo o território estadual.
Um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apontou que, em 2024, foram contabilizados 18 casos de conflitos e disputas territoriais envolvendo indígenas no estado.