Região de Tancredo Neves registra quase metade dos casos de perseguições que terminaram com moradores reféns em Salvador
09/12/2025
(Foto: Reprodução) Uso de reféns busca vantagem e preservação da vida dos criminosos
Sete pessoas foram mantidas reféns no bairro de Tancredo Neves, em Salvador, durante uma operação policial que envolveu uma troca de tiros com homens armados, em junho deste ano. Esse foi um dos 16 casos de cárcere seguido de perseguição registrado na capital baiana nos primeiros sete meses de 2025.
Nos últimos três anos, Salvador registrou 57 ocorrências em que ao menos uma pessoa armada invadiu a casa de um cidadão e fez reféns durante uma tentativa de fuga. Desse total, 44% das situações aconteceram na região de Tancredo Neves, que além do bairro de mesmo nome, engloba os bairros Arenoso, Arraial do Retiro, Barreiras, Beiru, Cabula, Cabula VI, Doron, Engomadeira, Narandiba, Resgate, Saboeiro e São Gonçalo.
Pesquisadores e policiais ouvidos pelo g1 apontam que o alto número de ocorrências na região está diretamente ligado à configuração criminal da região. Tancredo Neves é historicamente disputada por facções, o que gera rotinas constantes de confronto, perseguições e operações policiais nos bairros que integram a área.
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Segundo o professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Misael França, essas facções mantêm estratégias rígidas de controle territorial, que incluem impor regras aos moradores, controlar serviços de internet e TV e sequestrar integrantes de grupos rivais.
Três pessoas são libertadas após serem feitas reféns em casa no bairro do IAPI, em Salvador
Alberto Maraux
Assim, com a pressão exercida pelo crime e a presença frequente da polícia, situações de fuga tendem a acontecer dentro de áreas densamente povoadas, o que aumenta a probabilidade de invasões a residências. Além disso, outro ponto observado pelo professor é a estratégia dos criminosos.
"A utilização de reféns em determinadas modalidades delitivas tem a finalidade de garantir a preservação da integridade física e da vida dos criminosos que recorrem a essa prática".
O levantamento aponta ainda que, em 2023, foram contabilizados 22 casos em Salvador. Em 2024, 19. A maior parte dessas perseguições também aconteceram na região de Tancredo Neves.
Em 2023, foram 12 ocorrências na região, o que representou cerca de 55% do total registrado naquele ano;
Em 2024, a região teve cinco casos, correspondendo a 26% do total;
Já em 2025, foram sete registros até setembro, o equivalente a 44% das ocorrências registradas no período.
Quase 50% dos casos de reféns aconteceram em Tancredo Neves
g1 BA
Aumento da atuação de facções
Em entrevista ao g1, o capitão Gerlon, do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), também relacionou esse cenário à maior presença de facções no estado. De acordo com ele, a Bahia "vive" uma dinâmica diferente de outras regiões do país, com o crescimento do número de faccionados, que agem de forma mais coordenada e com técnicas distintas das utilizadas por criminosos comuns.
"Criminoso faccionado é diferente porque ele entra nas casas de familiares ou vizinhos, parece algo coordenado".
Ainda segundo o capitão, casos que envolvem familiares têm se tornado mais comuns dentro desse tipo de prática criminosa. Ele explica que é preciso agir com cautela e seguir os protocolos adotados em situações de gestão de crises.
"Parte da sociedade, inclusive nas redes sociais, critica a ação policial, mas é preciso entender a gravidade jurídica envolvida. Mesmo quando a vítima é familiar do criminoso, o risco é real", pondera.
"Se ele realmente matar a família, o filho ou a mulher, quem vai ser responsabilizado? É por isso que o protocolo precisa ser seguido à risca".
Esse protocolo prevê pelo menos quatro passos, que vão da denúncia até a resolução do conflito.
➡️ A Polícia Militar costuma ser a primeira corporação a chegar ao local.
➡️ Depois, caso se confirme a situação com refém, o Bope é acionado para assumir as negociações e proteger as vítimas.
Veja como funciona uma negociação em casos de reféns
Arte/g1 BA
Tropa especializada
Segundo a Polícia Militar, na Bahia, durante o período de formação, todo policial recebe treinamento para realizar o atendimento inicial em casos de cárcere privado. No entanto, a tropa do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) é responsável pelo gerenciamento de crises em situações com reféns.
Localizada em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), a sede do Bope é acionada em ocorrências do tipo e em situações consideradas de alta complexidade, que exigem atuação técnica e estratégica das equipes.
"Nós temos um protocolo assinado pelo Comando-Geral, que determina que, em toda e qualquer ocorrência com crise, a principal alternativa é o acionamento do Bope", ressaltou o capitão.
Após cerca de três horas, os suspeitos se renderam e foram presos.
Filipe Costa/TV Bahia
De acordo com o militar, a equipe é composta por um negociador, um atirador de precisão e um grupo tático de policiais, responsáveis por realizar a intervenção durante a negociação.
"Se uma pessoa não treinada atuar sem a equipe, a tragédia pode ser maior. O causador pode se matar, matar o refém, pessoas próximas e até o próprio negociador".
Participação de terceiros na negociação
Segundo o capitão Gerlon, durante o andamento das negociações são aplicadas diversas técnicas de gerenciamento de crises, entre elas a inserção de terceiros no processo — estratégia que pode contribuir para a resolução do conflito.
Quanto à presença de jornalistas, algumas vezes exigida pelos próprios criminosos, o capitão ponderou que essa avaliação depende da estratégia adotada pela equipe policial. De acordo com ele, nos cursos de negociação do Bope, é discutida a inserção de intermediários, como advogados, familiares ou profissionais da imprensa, mas essa decisão cabe exclusivamente à equipe de gerenciamento de crises no momento da ocorrência específica.
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