Solução ou perigo? Bikes elétricas nas ciclovias elevam número de acidentes
Bikes elétricas: velocidade, imprudência e falta de regras têm provocado muitos acidentes
O crescimento do mercado de bicicletas elétricas e veículos motorizados, que avançou de 7,6 mil em 2016 para 284 mil em 2024, trouxe um novo desafio para as cidades brasileiras: o aumento no número de acidentes. Imagens de colisões e atropelamentos em ciclovias se repetem pelo país, transformando o que é uma solução de mobilidade em um novo risco no cotidiano. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Corpo de Bombeiros viu as ocorrências (incluindo atropelamentos e incêndios de baterias) saltarem de 112 nos primeiros nove meses de 2024 para 215 no mesmo período de 2025.
A reportagem do Fantástico ouviu vítimas dessa nova realidade.
A jornalista Tati Vasconcelos foi atropelada por uma bike elétrica em São Paulo enquanto pedalava um modelo convencional. Ela ainda anda com dificuldade e critica a imprudência. "Quando alguém me atropela, me joga longe e nem para para me ajudar, o recado me parece: esse lugar não é para você. E é sim, ciclovia é lugar de bicicleta."
Os acidentes não se limitam a ciclistas. No Rio, o advogado Paulo Fischer corria na orla quando foi atingido por uma bicicleta em alta velocidade e bateu a cabeça no meio-fio, levando sete pontos. Já a diarista Maria Iranice Gomes fraturou a clavícula após ser atingida por outro ciclista que vinha na contramão, no momento em que ela ia ligar sua própria bicicleta. "Vou ficar parada [...] O médico disse que vai ser mais uns três a quatro meses", lamenta ela, que ficará sem trabalhar.
Especialistas apontam as e-bikes como um dos meios de transporte mais viáveis para o futuro, por usarem energia limpa e desafogarem o trânsito. O problema é a falta de regras claras para a convivência entre os veículos motorizados, as bicicletas tradicionais e os pedestres. Para Cláudia Kligerman, diretora da Aliança Bike, o cenário atual é de "grande bagunça". "É a hora das prefeituras agirem para fazer essa coisa [...] ficar uma coisa mais harmoniosa, porque é um meio de transporte que veio para ficar."
Parte da confusão vem da dificuldade em diferenciar os veículos, pois o Código de Trânsito Brasileiro faz distinções. A bicicleta elétrica é aquela com pedal assistido (o motor ajuda, mas é preciso pedalar) e velocidade máxima de 32 km/h. Ela pode circular em ciclovias, ciclofaixas e até dividir espaço com pedestres nas calçadas.
Já o autopropelido (como patinetes ou bicicletas com acelerador) também tem limite de 32 km/h, mas não exige pedaladas. Pode ir em ciclovias, mas em calçadas a velocidade máxima permitida é de 6 km/h. Acima deles está o ciclomotor, que tem acelerador e velocidade entre 32 km/h e 50 km/h. Este modelo mais potente é proibido em ciclovias e calçadas, só podendo andar nas ruas, e exige emplacamento e habilitação do condutor.
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estipulou prazo até 31 de dezembro deste ano para a regularização dos ciclomotores. No entanto, a legislação nacional não é clara sobre o trânsito de bikes elétricas e autopropelidos em calçadas, considerando infração apenas onde há sinalização proibindo. Com isso, cada município cria sua própria regra: em São Paulo, a CET proíbe qualquer bicicleta em calçadas, enquanto no Rio, as regras são específicas para a orla.
Para o arquiteto e urbanista Valter Caldana, faltam normas claras e preparo das cidades. Ele ressalta que a prioridade deve ser sempre o pedestre. "Tudo, como sempre, começa de educação. Educação dos pedestres e educação dos usuários. Ele passa também por uma questão física. As cidades, as ciclofaixas, as ciclovias, elas precisam estar adequadas [...] ter sinalização", afirma o professor.
A falta de controle e a imprudência resultam em tragédias. Em Paranaíba (MS), Antonella, de 3 anos, brincava na porta de casa quando foi atropelada por uma bicicleta motorizada conduzida por uma adolescente de 14 anos, que carregava outros três menores. A menina morreu com traumatismo craniano. O delegado do caso apontou que o acidente foi causado pelo choque do joelho da condutora com o rosto da criança e lamentou a falta de regulamentação. "Até porque não existe uma regulamentação que normatize de forma integral e eficiente esse tipo de veículo", disse.
O sentimento que fica é de insegurança, como a do professor Cláudio Luiz, de Santos (SP), que quebrou o braço em um atropelamento violento. "Pô, uma ciclovia que, sempre, em Santos sempre teve esse clima legal [...] agora não, agora eu já fico, pô, como é que vai ser?" O apelo por ordem vem da família de Antonella. "Eu não vou pra ninguém andar de bicicleta. Mas que tenha uma lei. Que essa lei organize o jeito certo para não acontecer mais com ninguém", desabafa a tia da menina.
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